Journal Club 14.10.2020 – Apresentadores: Júlia Teixeira de Castro e Jefferson Elias Oliveira
Revisado por Isabel Kinney Ferreira de Miranda Santos e Beatriz Rosetti Ferreira
Estamos vivendo uma das maiores pandemias da história da humanidade, causada pelo Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave 2 (SARS-CoV-2), ou novo coronavírus. Já foi mostrado que a infecção se dá pela ligação da proteína spike (S) do vírus à enzima conversora de angiotensina humana 2 (hACE2), principalmente nos pulmões (1). As pessoas infectadas apresentam quadros clínicos diversos, variando de ausência de sintomas até casos graves, com intensa inflamação e disfunção pulmonares, que necessitam de cuidados intensivos (2). O maior desafio dos pesquisadores é desenvolver vacinas e terapias antivirais eficazes, mas para isso, conhecer a resposta imune ao vírus é essencial. Modelos animais utilizando camundongos, furoes e primatas não são adequados para mimetizar a infecção em humanos, uma vez que a infecção nesses animais é branda e de curta duração (3,4). Outras estratégias com camundongos já foram desenvolvidas, como a indução da expressão transitória de hACE2 via adenovírus e expressão de hACE2 pelo promotor ACE2 de camundongo, porém não foram eficazes na indução da doença na forma grave que ocorre em humanos (5–7).
O trabalho publicado recentemente por Winkler e colaboradores avaliou um modelo de camundongos transgênicos que expressam o receptor da ACE2 conduzido pelo promotor do gene citoqueratina-18 (K18) (K18-hACE2) (8). O primeiro resultado do grupo mostrou que esses camundongos têm uma significante redução de peso, e carga viral presente nos pulmões durante os sete primeiros dias da infecção, evidenciando que os camundongos são suscetíveis à infecção pelo SARS-CoV-2. O vírus também foi encontrado no coração, cérebro, rins, baço e colón em alguns dos camundongos infectados, porém, somente nos pulmões foi observado intenso recrutamento celular.
Para avaliar se a infecção pelo SARS-CoV-2 induz alterações funcionais nos camundongos transgênicos, Winkler e colaboradores avaliaram alguns parâmetros químicos, hematológicos e pulmonares. Interessantemente, os camundongos infectados com o vírus apresentaram redução nos níveis plasmáticos de cloro no 7º dia após a infecção (d.p.i) quando comparado aos animais não infectados. Por outro lado, os níveis plasmáticos de bicarbonato estavam elevados no 7º d.p.i., provavelmente devido a prejuízo na troca gasosa que ocorre nos pulmões. O hematócrito, a hemoglobina e o tempo de protrombina também estavam aumentados no 7º d.p.i. A avaliação das propriedades biofísicas dos pulmões mostrou redução na complacência, distensibilidade e função pulmonares, causada pelo intenso recrutamento de células imunes, como macrófagos, células dendríticas, neutrófilos e células T ativadas. A produção de citocinas pró-inflamatórias e quimiocinas foi maior no 7º d.p.i., período no qual foram identificados grande número de genes diferencialmente expressos, principalmente aqueles relacionados à sinalização de NF-κB, IFN tipo I e II e vias de ativação de leucócitos. Interessantemente, o papel dos IFNs ainda é controverso na infecção por COVID-19, inclusive, já foi mostrado que essa citocina induz uma isoforma truncada de ACE2 (9), e que a sinalização do IFN tipo I parece ser pró-inflamatória e não antiviral (10).
Apesar de algumas limitações, como a expressão do transgene hACE2 não ser fisiológica em vários aspectos, e a impossibilidade de avaliar as comorbidades associadas, como hipertensão e diabetes, o modelo de camundongos transgênicos que expressam o receptor da ACE2 conduzido pelo promotor do gene K18 mostrou-se eficiente. O modelo é capaz de suportar intensa carga viral de SARS-CoV-2, que leva a infiltração de células imunes e inflamação nos pulmões, podendo ser um modelo interessante para avaliação da eficácia de terapias para o tratamento da COVID-19.
REFERÊNCIAS
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